quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

"Porque sou um passageiro andante/Que mora no teu livro de aventuras"...


As circunstâncias são o que são, e dificilmente um homem, seja qual for, é capaz de escapar às circunstâncias que lhe calharam em sorte. O caso, seja como for, é simples como um copo de água: deixei, nos últimos dois meses, de precisar de me movimentar de transportes público pelo simples facto de já não necessitar de me deslocar seja para onde for. Nada de casa-trabalho-casa. Quanto muito, carecerei apenas de me dirigir a alguma repartição da Segurança Social.

Hoje, ainda assim, e porque a tarde parecia relativamente amena, regressei com uma réstia de nostalgia ao bojo sossegado do 502. E quanta diferença! Ao meu lado, um quase ancião de farfalhudo bigode ruivo desdobrava-se em contactos com um senhor engenheiro, acertando pormenores para um negócio imobiliário de para aí um milhão de euros (a casa em questão custa 965 mil e o empreiteiro interessado não pretendia exceder o milhão após obras, o que diz bem da penúria que para aí vai entre os mais carenciados). "Vou reunir o dossiê, cumprimentos ao seu sogro", despediu-se o do bigode, visivelmente satisfeito.

Pouco depois a carreira chegou ao fim do percurso e eu fui fazer aquilo em que se entretêm os outro desempregados: desci Santa Catarina a ver as montras, caminhei pela Baixa e depois, para poupar uma viagem ao Andante (agora recarregável), regressei a casa a pé, mergulhado na penumbra melancólica do entardecer e em graves pensamentos sobre o desconserto do mundo (como convém). Tudo muitíssimo agradável, ainda assim (incluindo o escape de óleo diesel para me embriagar até que alguém me esqueça), não fosse ter dado pela falta, ao chegar à home sweet home, do velho e fiel Andante, perdido algures quando levei a mão ao bolso. Lá se foram oito viagens pré-pagas e, com elas, umas quantas deslocações ao centro nevrálgico da cidade. Está, pois, morto o Andante. Quando tiver de ir ao centro de emprego, terei de me deslocar a pé.